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Também para a nossa pesquisa sobre a Chapada Diamantina, falamos com o produtor Eduardo Sampaio. Ele e a turma de sua produtora, a Primitivo, trabalharam em um belo (já assistimos e recomendamos!) documentário sobre o Vale do Capão, na Chapada: “Prá lá do Mundo”.

O documentário será exibido nas telonas de cinema ainda este mês, vejam o trailer: http://vimeo.com/61651351

E o Eduardo dividiu conosco sua experiência na Chapada, através do belo relato feito para O Brasil Com S:

É noite e o fogo se alastra na Serra do Candombá, no Vale do Capão, Chapada Diamantina. A equipe está de volta à pousada, exausta após um dia de filmagens que começou às 4:00hs da manhã. Vemos as labaredas de onde estamos, distante alguns quilômetros somente. Parece que o incêndio vai varar a madrugada. Já estava nos nossos planos filmar os incêndios que acontecem nessa região, às vezes quase que diariamente em certas épocas do ano. As hipóteses de combustão espontânea por causa da seca são quase sempre descartadas pelos estudiosos. Esse é um assunto que gera bastante polêmica na Chapada, pois sabe-se que muitos dos incêndios são decorrência de atos criminosos. O fato é que o combate às queimadas é quase sempre feito por brigadistas voluntários, com pouco treinamento e quase nenhum equipamento. Nós queríamos ver tudo isso bem de perto.

Decidimos subir a serra. Somos eu (produtor), Roberto (diretor), Nico (técnico de áudio), Zéu (produtor local), que vive no Capão, e Rui (fotógrafo), que é também é o nosso guia. Resolvemos ir com uma equipe de produção enxuta, para dar mais agilidade.

São 20:30min e temos somente algumas lanternas para iluminar o caminho e o fogo para nos mostrar a direção. A subida é bastante íngreme, não há trilha, então abrimos caminho na marra. À medida que vamos nos aproximando do fogaréu, sentimos um forte cheiro de animais queimados, plantas queimadas. As solas dos nossos sapatos estão derretidas pelo solo quente do fogo ali apagado alguns minutos antes.Temos que continuar subindo. Já vemos de longe alguns brigadistas com abafadores e suas mochilas que carregam apenas 20 litros d’água. Guerreiros enfrentando um mar de fogo. São mais ou menos vinte voluntários divididos em grupos de quatro ou cinco, cada um atuando em um foco de incêndio. O fogo faz um barulho intenso, e o vento forte só aumenta o medo de sermos pegos pelas chamas descontroladas. Agora já passa das 23:00hs e finalmente conseguimos chegar próximos a uma das brigadas. Com a câmera ligada captamos a luta em tentar salvar a flora e fauna da devastação. São gritos de guerra, muito suor e principalmente, coragem para enfrentar o fogo naquelas condições.

Olhando assim ao longe a proporção do incêndio, o pequeno grupo de voluntários, os precários equipamentos de combate e o forte vento, nunca iríamos pensar que aquele inferno iria ter fim. Mas quando a última chama é apagada, é um momento emocionante. Os brigadistas se reúnem, começam a gritar e comemorar, com muito orgulho das suas façanhas, e sabendo que no dia seguinte tudo recomeçaria.

Chegamos de volta à pousada após a meia-noite, com arranhões por todo o corpo, olhos ardendo pela fumaça, roupas sujas e rasgadas, mas contentes por registrar de perto cenas que mostram a verdadeira realidade da região.

Estamos no Capão, uma vila de 1.500 habitantes no coração da Chapada Diamantina. Um caldeirão cultural com pessoas de mais de 20 nacionalidades. Por algum motivo que ninguém sabe explicar, gente de todo o mundo começou e se mudar para cá, deixando grandes centros urbanos para uma ruptura radical com a sociedade de consumo. Eles transformaram o local em um centro de experimentação, diversidade e conflitos ideológicos, que ao mesmo tempo encantam, ameaçam e questionam o futuro da comunidade.

Em uma vila com tão pouca gente, é de se espantar a quantidade de atividades que aqui desabrocham. Tem circo, escola de música, rituais espirituais, festival de jazz, coral, capoeira, arte de todos os tipos. Tem também médicos, artistas, engenheiros, curandeiros, xamãs, alternativos, aventureiros. E como se não bastasse há cachoeiras, trilhas belíssimas, rios, montanhas, flora exuberante. Mas toda essa diversidade e beleza estão sendo ameaçados pelo crescimento do turismo e da população, que geram problemas com lixo, degradação do meio-ambiente, poluição sonora, especulação imobiliária, doenças.
O Capão ainda pode ser considerado um paraíso, mas já mostra, mesmo com toda a sua pequenez, sintomas de cidades grandes.

Os nativos, que inicialmente viviam isolados e pouco conheciam sobre o resto do mundo, aos poucos foram se acostumando com a vinda dos novos moradores e turistas. A chegada da energia elétrica, em 1984, trouxe mais estrutura e conforto. Trouxe também a televisão, que ao mesmo tempo levava informação sobre o mundo e seduzia com produtos que antes eram desconhecidos à maioria. Salgadinhos, refrigerantes, enlatados; Barbie, videogames… tudo isso chegou junto com a TV, mudando o estilo de vida da comunidade, para melhor e pior.

O interessante é notar que a comunidade do Capão é consciente disso tudo. Sabe do lado negativo e positivo das suas escolhas, e tenta de alguma forma preservar suas raízes e minimizar os efeitos da inevitável globalização. Hoje há internet, por exemplo, mas não há antenas de celular. Há a fruta do pé e a pizza. A bicicleta e o moto-táxi. O incêndio e a mata virgem.

O Capão e a Chapada Diamantina são a fonte de inspiração para o documentário “Pra Lá do Mundo”, que tem como fio condutor personagens reais e suas histórias. Fazer esse filme foi como participar de uma verdadeira aventura. Cinco tentativas de vôo de balão, trilhas onde precisamos de mais de 20 pessoas somente para carregar os equipamentos, queimadas, sol, chuva, e todas as dificuldades de filmar em um lugar isolado. Foi também uma viagem antropológica, pois conhecemos pessoas extraordinárias, ouvimos muitas histórias e iniciamos muitos questionamentos. O resultado disso vai para os cinemas no dia 24 de Maio.

(As fotos também foram feitas e enviadas pelo Eduardo).