O Brasil Com S da quinzena fala sobre a cidade mineira de Tiradentes.E para começar com o tema, perguntamos para a cozinheira Tanea Romão que hoje mora na cidade: O QUE NÃO SABEMOS SOBRE TIRADENTES?

Ela responde no belo texto:

Uma Tiradentes que eu Não Conhecia…

ora pro nobis em flor
Mãos hábeis enrolando folhas de couve ou taioba, amolando a faca na pedra da pia e depois cortando em fios finos. O cheiro do alho fritando, as verduras sendo “assustadas”, como se diz por aqui, porque não se cozinha, apenas joga no óleo quente temperado e desliga o fogo. Mexe bem e o calor da panela fará o cozimento necessário.Assim é Tiradentes, em Minas Gerais, o lugar que escolhi para viver desde o final do ano passado, após 13 anos sendo abraçada pelas montanhas da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais.

Por aqui tudo é novo mas traz sabores, texturas, aromas e cores já conhecidos e que estavam guardados no baú da memória, bem embalados em guardanapos brancos bordados pelas mesmas mãos habilidosas que preparam os alimentos para nossos corpos e almas.
A grande surpresa por aqui foi encontrar as verduras da minha infância, que cresciam no mato, e depois em São Paulo, entre as pedras das calçadas, e que hoje são chamadas de “hortaliças não convencionais”.

E junto com esse encontro veio o desafio, que era aprender a usá-las. Um dos caminhos para o conhecimento é saber ouvir e foi o que fiz, saí em busca do saber tradicional, com as mulheres que já não utilizam esses ingredientes mas que por muito tempo os prepararam e sabem cada segredo.
Eles estão por aqui lindos, vistosos… Mas o que fazer com esses ingredientes de nome estranho, ingredientes que não estão nos livros de gastronomia, que não são vendidos em empórios ou feiras livres? O que fazer com aquela ponta do cacho de banana, chamado “Umbigo” ou “Coração”? Sem o conhecimento ancestral, apenas um prato que não dá pra comer, tamanho é o seu amargor. Agora, depois de uma tarde com uma senhora de 89 anos que comeu isso durante toda a infância, que viu a mãe preparar, que preparou para os filhos e que hoje os netos rejeitam… aí sim, temos uma iguaria.

Não é só colher o “umbigo”. É preciso desfolhar, separar as primeiras folhas que são duras, depois retirar o que eles chamam de bananinha, cortar as folhas, tudo isso com um recipientes com água e limão ao lado para ir colocando o resultado e tirar a “nódi” (nódia). Terminado o trabalho, esse riquíssimo ingrediente vai ser lavado 3 vezes, não mais, nem menos. E eu, como boa aprendiz de feiticeira obedeço… aí é hora de ir para a panela, também com água e limão e cozinhar por mais ou menos meia hora. Retirar da água e temperar com azeite, alho, cebola, cebolinha, pimenta… tudo refogado em fogo alto, espalhando o perfume pela casa.
E imagino que entre tantas descobertas, Cansanção, Gavinha do Chuchu, Folha de Abóbora, Maria Godô, Cará Moela, Bertalha, Lambari da Horta, Folha da Capuchinha, Azedinha, Flores da Ora-Pro-Nobis, que são de uma beleza única e um sabor surpreendente… A maior surpresa foi ver que a textura daquele “Umbigo de Banana” era uma textura familiar, dos tempos da Mantiqueira e logo reconheci uma textura de alcachofra e a grande ironia: imaginei o “Umbigo de Banana” como a “Alcachofra da Serra de São José”.
Muitos ingredientes a serem resgatados, muitas histórias a serem contadas, muitos “causos” a serem ouvidos, mas a certeza de que desci na estação certa. Rasguei o meu bilhete de volta e agora é aqui que vou ficar.

Uma cidade que eu conhecia por ter participado, algumas vezes, do festival de gastronomia mais famoso do país e que agora se apresenta como um presente para cozinheiros, que como eu, tem paixão e respeito pelo saber.
(Foto da flor de da Ora-Pro-Nobis que a própria Tanea nos mandou).

Por Mayra Fonseca.