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Estou no Ceará desde o início do mês e um sentimento (companheiro antigo de viagens) me invadiu inúmeras vezes nesta imersão: um encantamento absurdo quando me deparo com uma solução bonita e simples para um problema cotidiano.

Nos últimos dias, estou percorrendo casas de mulheres que moram nas periferias de Fortaleza, falando sobre sua trajetória de vida e sobre seus desafios atuais. Aqui, como em outras tantas cidades do país, uma casa é composta por algumas gerações de pessoas de uma mesma família: avó, mãe, irmã, sobrinhos, filhos, netos.

E, pensando sobre gambiarras, comecei a achar que essas pessoas aqui apresentam uma lógica muito especial (e inspiradora) de percepção de espaço e objetos: sempre cabe, sempre serve.

Quando tantas pessoas convivem e flutuam num mesmo lugar diariamente, num lugar cheio de limites e restrições (contas são pagas quando é possível, tudo é reutilizável, nunca dá para controlar quantas pessoas exatamente vão dormir no mesmo espaço), a única coisa que não tem limites é o emprego constante da inventividade.

Por exemplo, comecei a ouvir uma ladainha ritmada de infinitas utilidades quando perguntei pra que serviam os ganchos nas paredes: pendurar uma rede, estender uma rede, pendurar roupas que não cabem no armário, colocar roupas para secar onde há vento, pendurar uma planta, deixar recados, improvisar quadros, inventar enfeites, segurar o pisca-pisca de Natal, passar o fio da lâmpada, fixar o cabo da televisão… “serve pra tudo que precisar que a gente nem sabe”. Ouvindo essa fala, comecei a imaginar a sucessão das imagens, tão corriqueiras quanto belas, como se fosse um filme do cotidiano daquelas famílias.

“E essa rede?”, continuei. O emprego da rede pelas pessoas no Ceará, certamente, é uma das coisas que mais me tocaram até agora nesta viagem. Pode ser uma cadeira de balanço na sala, um balanço na árvore para as crianças, dá para domir na varanda nas tardes de sol e, principalmente, garante que quantas pessoas precisarem terão um lugar para dormir naquele lar.

A gambiarra dos espaços é, pra mim, poesia. Em todos os cômodos, muitos ganchos em alturas diferentes. Crianças, idosos e doentes, dormem nas camas. Em andares diferentes de rede, acima das camas e sofás, dormem os jovens e saudáveis.

Em uma casa de 4 cômodos sem corredor (pra meu delírio pintada de amarelo e verde), um quarto tinha 3 andares de redes acima das camas. Perguntei: mas como chegar na última rede? Subindo de rede em rede!

E, foi daí que me perguntaram: mas então como vocês fazem quando outras pessoas aparecem pra dormir e quando nasce gente nova? Porque não dá pra dizer que não cabe na casa, uma pessoa nem presta se não puder mandar as outras entrarem.

(Por Mayra Fonseca. Imagem Gambiarras, Cao Guimarães).