J Borges

J Borges

Quem nos responde é Vinícius Carvalho: Recifense, filho de sertanejos. Produtor cultural, foi curador e coordenador da programação de homenagens feitas para Luiz Gonzaga no seu centenário em 2012 em Recife e Exu pela Secretaria de Cultura de Pernambuco.

Pelo som e pelos caminhos do Sertão 

O Sertão de Pernambuco virou pop na voz de Luiz Gonzaga. Foi ele que – com uma sanfona e vestes inspiradas na indumentária do vaqueiro e na figura de Virgulino Lampião – conseguiu transformar o baião no gênero musical mais popular do país na década de 50.
Gonzaga falava em ‘dialeto’ local de ecologia, sentimento, economia, tradição, causos, política, fé, fome, sede e seca. Uma obra enciclopédica, que apresentou ao país um painel de um pedaço desconhecido do Brasil, que passava ao largo do que se via nos grandes centros urbanos. Nascia a síntese do pensamento e orgulho de um povo.
Até então, o Sertão pernambucano havia só ganhado as páginas dos jornais no período do cangaço, simbolizado por Lampião, no início do Século XX. Até hoje, Lampião divide, instiga. Ainda pairam dúvidas, por exemplo, sobre qual foi o papel do grupo na região. Há quem garanta que por conta de um encontro do seu bando com a Coluna Prestes, Virgulino teria desviado o seu percurso. Dizem historiadores, que Lampião virou capitão, com a benção do poderio militar da época, para enfrentar a incursão liderada pelo líder revolucionário Luis Carlos Prestes, o que acabou não acontecendo. Existem, inclusive, estudos que garantem que a relação dos dois foi pontuada por admiração, respeito e temor mútuo, que marcou a trajetória de ambos. E Lampião acabou morto mesmo pela polícia.
Mas para além dos livros de história e das letras das canções, o sertanejo não está longe de ser um povo simples de definir sem incorrer no erro de um estereótipo. O Sertão de Pernambuco é, na verdade, uma nação formada de vários povos: dos quilombolas aos indígenas; dos assentados aos ciganos; de pessoas que chegam de todo o mundo; de todas as etnias. É também de benzedeiras, agricultores, artistas, intelectuais, trabalhadores. Em comum a todos: a paisagem árida, os grandes ídolos, o sonho da água perene, a simplicidade e o eterno aprender a conviver com a seca.
No Sertão pernambucano também se fala outras línguas além do português, como o yathê dos índios Fulni-ô, aprendemos aquilo que não se aprende na escola e nos livros tradicionais. Pelo olhar dos indígenas, por exemplo, o mapa geográfico é diferente, se divide em Pankararu, Xukuru… Por outros contornos e referências.
Em Salgueiro, a 515 km do Recife, fica uma grande comunidade rural remanescente de quilombo, Conceição das Crioulas, território declarado de interesse social há quatro anos, onde residem mais de 500 famílias que garantiram com este ato o direito de propriedade da terra.
No Sertão ainda existe um Brasil pouco falado, que não ficou no passado. A luta ao longo de toda a sua história para passar longe de coronéis, posseiros e do clima opressor e bélico permanente, que fez milhares de vítimas, como o Cacique Chicão Xukuru assassinado há quinze anos.
O Sertão passou por transformações econômicas e nos últimos dez anos mudou uma tendência histórica, o fim da miséria e diminuição das desigualdades sociais se apresentam como uma realidade concreta. No entanto, a indústria da Seca, aquela citada por Celso Furtado, segue lá. Mesmo com agricultura familiar e a transferência de renda direta para o povo, ela se adapta e apesar da grandeza do sertanejo, os senhores e coronéis são figuras presentes. Mas esta é uma outra longa história…
O sertanejo se adapta, segue sendo contemporâneo e respeitando as tradições. Hoje o Sertão está conectado com o mundo, acessa novas tecnologias. Produz conhecimento e gera riqueza e arte, como sempre fez. Há uma sabedoria diferente, subjetiva, difícil de explicar, de um povo que leva a vida noutro tempo.
Nos 100, 101 anos de Luiz Gonzaga, o sertanejo celebra e se sente parabenizado! Sempre aprendendo com o mundo e tendo muito o que nos ensinar.

(Ilustra o post a obra de J. Borges)