Fátima Finizola é designer gráfica e pesquisadora na área de design vernacular e tipografia. Semana passada, ela entrou em contato com a gente para falar de seus projetos: Abridores de Letras, catálogo da linguagem visual dos letreiramentos populares de cidades do litoral, agreste e sertão pernambucano e o Dingbat Carroceria, tipografia que registra os elementos visuais decorativos das carrocerias dos caminhões que circulam no estado de Pernambuco. Doutoranda em Design pela UFPE, é autora do livro ‘Tipografia Vernacular Urbana’ (Blucher) e nos responde hoje:

Por que pesquisar o design popular do sertão pernambucano?

Quando pequena tinha o hábito de viajar de carro com a família para o interior de Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Aquelas paisagens e imagens do agreste e do sertão de alguma forma ficaram guardadas na minha memória: as feiras públicas com frutas e legumes fresquinhos, badulaques e utensílios domésticos; as cores, formas e texturas do artesanato; a pista, a paisagem mudando diante de meus olhos pela janela do carro; o queijo quente na lanchonete da beira da estrada, a noitada na rede da Tia Dulce, o passeio de jegue na fazenda do Tio Xinda, a primeira vez que furei meu dedo com um cacto.

Anos mais tarde, no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, retomei este universo como objeto de pesquisa. A estética e design popular, e em particular a linguagem gráfica vernacular, se tornaram uma paixão; paixão que transcendeu a vida acadêmica e se transformou no caminho que decidi trilhar no design.

O meu interesse pelo design informal, não acadêmico, carregado de significados e marcas culturais e produzido por aqueles que estão à margem da academia, me levou ao sertão de Pernambuco.

Em 2012, iniciamos o projeto ‘Abridores de Letras de Pernambuco – um mapeamento da gráfica popular’ com incentivo do Funcultura – Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura. Partimos da capital do Estado com o desafio de tentar encontrar os ‘dialetos gráficos’ que se escondiam nas paisagens urbanas do litoral ao interior de Pernambuco. Por meio da observação e registro dos letreiros populares confeccionados artesanalmente, por 12 pintores de letras, procuramos resgatar a cultura gráfica informal do estado, e descobrir as peculiaridades e semelhanças desta produção em 6 cidades do Estado.

Nessa busca, o Sertão, em particular, deixou marcas. Nesta região visitamos três cidades: Arcoverde, Salgueiro e Petrolina. A inventividade e criatividade do sertanejo – presente na sua produção artesanal, muitas vezes feita de improviso, impulsionada pela necessidade de resolver algum problema – estavam bem ali na nossa frente. Da urgência de divulgar um serviço na beira da estrada, surgiam na paisagem da caatinga letras vivas com uma ortografia nem sempre precisa mas de conteúdo certeiro – lanchonete, borracharia, oficina mecânica, vende-se, conserta-se de tudo. Deixando a paisagem sertaneja bucólica da beira da estrada, também descobrimos um sertão moderno, de centros urbanos em desenvolvimento com forte potencial econômico. Ao mergulhar no cotidiano destas cidades, tivemos uma grata surpresa: descobrímos alguns mestres pintores de cada localidade e conhecemos as estórias de uma profissão que resiste até hoje às tecnologias digitais de impressão que também chegaram ao Sertão.

A dedicação, precisão e criatividade dos personagens entrevistados é algo fascinante. Por meio de materiais e ferramentas simples – basicamente a tinta e o pincel -, surgem as letras artesanais sertanejas: letras de forma – retas ou boleadas -, manuscritas, caligráficas, quadradas, gordas, bicolores, em degradê. Estampam muros, fachadas, placas, lameiras de caminhões, barcos, entre outros suportes. A escolha do ofício parece já ter sido predestinada desde o momento da descoberta do dom artístico de cada pintor ainda na infância ou adolescência. As inspirações vêm do trabalho de outros mestres, de catálogos de letras, das letras estampadas em revistas e folhetos. As técnicas e ferramentas foram aprimoradas com a prática de anos de trabalho.

Como o mestre Aloísio Magalhães já havia observado ainda na década de 1970, ‘o artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial’, temos grandes lições a aprender com o fazer popular e com o fazer sertanejo. O pintor de letras do sertão pernambucano mantém-se firme na tradição de seu ofício pois reconhece o seu lugar no mercado e confia no seu potencial e senso estético.

Partimos com a missão de registrar artefatos da gráfica popular para preservar a memória da produção informal de design gráfico – visivelmente ameaçada, em algumas localidades, pelas novas tecnologias – e trouxemos a bagagem cheia de aprendizados e esperança.

Saiba mais: https://www.facebook.com/designvernacular

Pesquisa e entrevista: Ana Luiza Gomes