1525725_579050988838796_847342288_n

Flávio José Gonçalves é professor e pesquisador da UNIMONTES (Universidade de Montes Claros, cidade da Mayra!). É mestre em desenvolvimento social, linha de pesquisa antropológica com dissertação NEGROS DE POÇÕES: FEITIÇÕS E OUTROS CAXANGÁS EM SEUS PROCESSOS SOCIAIS. É ele quem nos conta O QUE NÃO SABEMOS SOBRE CAFUNÉ, com base em suas pesquisas de campo:

Nas minhas andanças pelas bandas do Rio São Francisco, observando e participando da vida dos ribeirinhos e barranqueiros, uma coisa atraiu-me, algo da corporalidade brasileira: o cafuné.

Em todas as portas das casas, ao entardecer, as pessoas sentam nos bancos feitos de madeira ou em cadeiras de descanso ou espreguiçadeiras e fazem cafuné nas cabeças de meninos, meninas, maridos, esposas, velhos e entre os namorados. Desde o estourar de espinhas e cravos nos rostos, o cafuné é um ato carinhoso do Cafuné, o ato de coçar levemente a cabeça de alguém, para fazê-la adormecer ou relaxar, o que significa fazer carinhos, acariciar.

A origem do termo ou do ato carinhoso do cafuné é controversa, alguns pesquisadores do timbre de Roger Bastide pensava ser o cafuné de origem africana, mas observando fotos etnográficas de Lévi-Strauss é possível perceber entre os índios Bororós a prática social de catar piolhos e acariciar coçando as cabeças de elementos deitados nos colos de índias mães ou companheiras.

Depois de observar, fui a campo para saber o que os nativos das bandas do Rio São Francisco podiam falar sobre o cafuné, daí me inseri neste campo de estudo e vi inovações, algo diferente do que tinha pesquisado em Roger Bastide, Herbert Baldus, Darcy Ribeiro e Roquete-Pinto.

Durante as minhas conversas com os barranqueiros, depois de muitos risos e gargalhadas, muitos descreviam o ato de fazer cafuné. Nesses encontros com os nativos de São Francisco, do outro lado do rio, encontro uma mulher negra de mais ou menos sessenta anos, a Dona Minervina, muito conhecida como feiticeira, mãe de santo, rezadeira e benzedeira em quase tudo. Nos seus discursos, ela afirmava que as pessoas sempre vem para ela fazer um cafunezinho na cabeça para aliviar as dores do dia a dia: “… tem um amigo meu lá de Carinhanha, todas as vez que ele passa aqui, no buteco, pede para fazer um cafuné na sua cabeça antes de benzer com a garrafa d’água (pausa…) ele senta, chega de dormir, com o cafuné na cabeça… ele disse que se esquece de muita coisa, daí pouco a pouco, vou coçando mais e mais a sua cabeça fedida de suor de homem vaqueiro, aquela mistura de cheiro de cavalo e de boi (risos…)”.

Durante a minha conversa com Dona Minervina, aproximou-se um senhor negro, preto bem retinto, como de costume de lá daquelas bandas, e começou a conversar com a preta velha, que o faz sentar de cócoras entre as pernas dela e começa a coçar-lhe a cabeça. Percebi que o matuto sonecava levemente, depois acordou de sobressalto e pediu a benção à sua “psicanalista e terapeuta sertaneja”. Montando em seu burro disse: “Cafuné dessa daí só de mãe, mas mesmo assim, ela é a melhor, minha cabeça sarou e agora posso buscar o gado.”

Naquele momento compreendi o que seria o cafuné, uma mistura de comportamentos sociais, culturais – mas também psicológicos – que predominou entre africanos escravizados e entre os índios brasileiros como forma de sociabilidade.

O termo Cafuné se tornou parte dos costumes brasileiros desde as classes mais simples às mais nobres. O Cafuné está inserido dentro dos processos sociais brasileiros como uma forma de relacionamento que solidifica laços de parentesco e amizade.

Cafune-Hahnemann-Bacelar_ACRIMA20120821_0097_15

(Ilustram esse conteúdo obras dos artistas Leonilson e Hahnemann Bacelar)