Vendedor de begalas e guarda-chuvas. Por Marc Ferrez.

Vendedor de begalas e guarda-chuvas. Por Marc Ferrez.

Março, tarde chuvosa na Zona Oeste de São Paulo. Fui a uma reunião em Higienópolis, voltei caminhando até o centro, peguei o metrô e depois andei algumas quadras até esta cafeteria em Pinheiros. No meu caminho, apareciam como milagre diversas ofertas para solucionar o meu problema de pessoa distraída que se esqueceu de que é fim de verão no Sudeste do Brasil. Entre pingos de chuva, fui me encantando com esses vendedores de rua.

Mas poderia ter sido no engarrafamento, nos últimos quarteirões depois da feira do bairro, na estrada durante o verão, após o jogo no estádio, nas noites de eventos culturais.

Eu sempre me impressiono com o senso de oportunidade e inventividade dos ambulantes no nosso país. Com sua capacidade de adaptação ao contexto das ruas, dos espaços públicos. Com sua mobilidade certeira. Com a criatividade na aproximação e anúncio das ofertas.

Vejo em sua presença um pouco de gambiarra e um tanto de senso de adaptação.

Daí lembrei-me de uma conversa há dias atrás… mais um amigo dizia que estava preocupado com a iminência de uma crise econômica no Brasil: que recursos faltarão, que problemas estruturais vão estourar, que o país… vai acabar.

Mas, qual país vai acabar?

Quando olho ao nosso redor, penso que talvez alguns formatos de vida em algumas cidades estejam mesmo fadados a uma transformação sofrida. Quem não sabe o nome do vizinho e sempre ligou pra um prestador de serviço pra resolver qualquer pequeno problema da casa, do carro, do prédio, da rua… talvez esse grupo de pessoas seja obrigado a viver, por um tempo, em um contexto para eles assustador, já que mais escasso.

Mas, se uma crise assim tão forte chegar, uma boa parte do país talvez não “acabe”. Talvez a gente vá é olhar um pouco mais pra essa gente que vive se reinventando a cada dia para fazer o melhor para si, para sua família, para sua comunidade, sem apenas esperar pelas decisões das representações do país. E talvez a gente tenha mesmo muito para aprender com essas pessoas.

Há alguns dias atrás, eu fui visitar a Feira Plana em São Paulo. Duas tardes repletas de pessoas percorrendo barracas de artistas independentes que criam projetos lindos e relevantes da melhor forma que conseguem. Barracas lotadas de turmas de vanguarda se aglomerando para ver um cartaz, uma revista, para conhecer um novo título. No final do domingo de feira, uma cena bem bonita: alguns expositores saíram de seus postos e começaram a circular oferecendo seus produtos em promoção: OLHE O CARTAZ! PAGUE 1, LEVE 2! AJUDE O ARTISTA INDEPENDENTE!

Quando vejo essas atitudes, claramente inspiradas no comércio informal das ruas, eu (que não tenho certeza se uma crise chegará, já que não sou economista e não consigo ter uma leitura clara das diferentes e complexas visões do tema) percebo uma possibilidade de revisão de valores. E fico ainda com mais vontade de ficar por aqui pra fazer parte de toda pequena transformação que pode surgir. E acho inclusive que vale a pena sofrer um pouco se for preciso para também me reinventar junto com meus vizinhos, meus amigos, meu bairro, a cidade onde moro, a cidade de onde vim e todos os caminhos que ligam essas pessoas e esses lugares.

(Por Mayra Fonseca. Fotos Cesteiro e Vendedor de Bengalas e Guarda-Chuvas, por Marc Ferrez).