Egeus Laus é coordenador do projeto Viajantes do Território – Uma Cartografia Colaborativa da Região Portuária do Rio de Janeiro. Tivemos a oportunidade de ouvir sua fala sobre essa região em uma reunião do grupo, nos dias de imersão ao Morro da Conceição. Ali, ao ladinho da Pedra do Sal, entendemos que ele seria o especialista ideal para nos responder: O que não sabemos sobre o Morro da Conceição?

Veja a resposta dele a seguir.

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Era uma vez um morro chamado Conceição. Dele desceu Orfeu, que depois desceria ao Hades – a terra dos mortos na mitologia grega – para resgatar Eurídice. Tudo isso aconteceu no longínquo ano de 1954, lá no século 20, na peça escrita por Vinicius de Moraes.

O Morro da Conceição ainda existe, aqui no Rio de Janeiro. Por sorte, não foi derrubado, como o morro fundador da cidade, o do Castelo (onde foram parar os tesouros dos seus subterrâneos do qual falava, em 1905, no alvorecer do século 20, o escritor Lima Barreto?). Outro morro desmontado foi o de Santo Antônio, onde primeiro se instalou o Observatório Astronômico da Escola Polytechnica, ainda mais atrás no tempo, no ano de 1881. Para o Morro da Conceição se transferiu esse ponto de observação, que hoje conhecemos como o Observatório do Valongo, sede do curso de graduação em Astronomia da UFRJ.

De seus jardins, coloridos por flamboyants, se avistam ao Oeste as encostas do Morro do Livramento (onde nasceu Machado de Assis) e mais ao fundo, contra o horizonte, a linha da Serra do Mar onde fica a maior floresta urbana do mundo, o Parque Nacional da Tijuca. Ao Sul, a linha que cortou o centro do Rio isolando mais ainda a região portuária: a Avenida Presidente Vargas , inaugurada em 7 de setembro de 1944. No seu centro corre o Rio Maracanã, totalmente coberto como dezenas de rios desta cidade que leva o nome de um Rio. Ao Norte e à Leste a baía da Guanabara, porto de entrada do Brasil por centenas de anos.

Sim, o morro da Conceição continua de pé, talvez por conta de sua alma de granito, rocha dura, ao contrário do morro do Castelo, terra mole, desmontado a golpes de picareta e jatos d’água em 1922. Talvez por conta de uma anima que flana pelas suas ruas com um outro registro de tempo, mais lento, como uma imemorial cidadezinha do interior.

Neste Morro da Conceição o ritmo é outro, diriam seus antigos moradores, tão bem retratados por Cristiana Grumbach no seu video documentário realizado em 2005. Andando devagar (bem devagar) pela rua Jogo da Bola podemos encontrar na varanda de sua casa a poetisa Zelma Rabello, acompanhada de seu gato de 3 patas. Ali mesmo nesta rua, no mirante onde se avista toda a região portuária e ao longe a ponte Rio-Niterói, um mosaico na calçada retrata o jogo da amarelinha, conhecido em Portugal como Jogo da Macaca, mas que existe em várias regiões do mundo, América, Europa e até na Rússia.

As raízes portuguesas são fortes no Morro, gente que trabalhava na região portuária, sede de centenas de pequenos negócios, comércios e indústrias. Dê uma parada no bar do Serginho (ninguém sabe o nome do estabelecimento, mas não precisa) e não se ofenda se ele não prestar muita atenção em você. Os moradores não fazem muita questão de conhecer gente “de fora”. Aliás, vêem com certa desconfiança todo esse movimento criado pelo empreendimento Porto Maravilha.

O último grande movimento vindo “de fora” foi a instalação dos ateliers de pintores que deu origem ao Projeto Mauá, reunindo cerca de 15 artistas plásticos, há mais de 10 anos atrás. De todo modo, o movimento foi ancorado em antigos moradores como Paulo Dallier, artista plástico com 80 anos, cuja oficina fica na casa construída por seu avô no princípio do século 20.

Quem chega no Morro, tem que chegar devagar e estabelecer laços mais próximos, respeitando a história e as tradições do lugar. É assim que está fazendo a estilista Julia Vidal com seu companheiro DJ MAM. Mora na rua Jogo da Bola, ao lado da Fortaleza e ali estabeleceu seu atelier de moda, desenvolvendo coleções que tenham a ver com as raízes do Porto, tão cheio de histórias, não só da tradição afro mas também da indígena.

A Região Portuária do Rio, e com ela os seus Morros próximos, se transforma. A nós cabe zelar para que esta transformação seja inclusiva, trazendo desenvolvimento local, respeito às tradições e ajude a construção de um novo modelo de cidade para este Rio de Janeiro que mergulha no século 21.

(Texto por Egeu Laus. Imagem da obra de Heitor dos Prazeres. A pesquisa deste tema recebeu apoio da Farm que arcou com os custos de viagem e hospedagem para imersão local no Rio de Janeiro. Obrigada, Farm).