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Para começar a nossa pesquisa sobre a Chapada Diamantina, perguntamos para Iêda Marques (fotógrafa, comunicadora e escritora que nasceu em Boninal, na Chapada):

 O que não sabemos sobre a Chapada Diamantina?

Ela nos responde recuperando*, exclusivamente para O Brasil Com S, textos seus:

A Chapada Diamantina que nos foge ao olhar está nas pessoas que vivem aqui

É o cotidiano, o ordinário que está na nossa frente, mas não é visto.

Enquanto fotógrafa, em todas as dimensões, a luz me revela a hora do click. E assim, na labuta diária, faço o que posso: não deixo escapulir o momento em que o iluminado dia a dia se torna uma imagem extraordinária! Capaz de provocar em cada um que olha a criação de uma ponte entre os patrimônios imaterial e material/natureza.

Em Boninal, como em todos os municípios da região, existem vários povoados onde a população é de maioria negra. Nesses lugares, ainda se encontra um povo mais ligado às tradições culturais. A migração para São Paulo, as mortes dos participantes mais velhos, o se tornar evangélico e a falta de interesse dos mais jovens em aprender os saberes do lugar são motivos para a constante luta pela preservação das manifestações culturais.

Somos decentes, criativos, interessantes, belos… e nossa tão propagada “pobreza do sertão nordestino” nada mais é do que uma vida simples, enfeitada de acordo com o gosto. A nossa cultura é telúrica, sofre dignamente a influência da natureza geográfica. A seca faz parte.

O reconhecimento e a valorização do conhecimento popular são de fundamental importância para a manutenção dos valores dessas comunidades. Para mim, a festa mais afetada hoje pela carnavalização é o São João. Os Ternos de Reis, das Almas, por exemplo, ainda existem, principalmente na zona rural, mas são poucos os municípios que realizam o Carnaval dos Mascarados, que, em geral, era a ressaca da principal festa religiosa do lugar, o Micareme.

O sol forte e a chuva não impedem o giro dos reiseiros. O reiseiro diz que o festejo de Santo Reis pode ser de devoção, promessa e diversão, depende do criador ou criadores da folia de cada grupo, que pode ser de uma família, uma comunidade ou várias juntas. Como diz  numa das músicas que eles cantam “Os reiseiros querem encontrar prazer e satisfação, cantamos as lembranceiras para a futura geração.

Chapéus coloridos, enfeitados com penas de pavão, fitas e espelhos refletem a luz, que dança para as nossas vistas”. Nas mãos, os instrumentos. Muitos só carregam a toalha bordada no pescoço e só trocam de roupa depois do giro completo. O Siriaco recebe a esmola do santo, que é levada no bocapio, também chamado de mocó, bivaque, etc. É feito com a palha da amada palmeira, o licuri.

Entre serras e vales se encontra um povo gentil, generoso, criativo, alegre, com uma cultura especial.

Ouvi de uma mestra de Reis, que ela começa a “tropelar” quando a coisa em sua casa dificulta, tipo falta de comida. Para passar a preocupação, ela vai da porta da frente até a do fundo, no “tropelo”, um tipo de samba pulado.

A família logo percebe; um pega o pandeiro, outro a caixa, o bumbo e todos começam a cantar chula e a dançar. Ela diz que tudo melhora.

O Reisado é um dos maiores patrimônios culturais da zona rural brasileira. Beleza e decência, sagrado e profano, vida e morte de mãos dadas nas vidas dos reiseiros. Usando a metodologia do festeiro, dividindo as tarefas e trabalhando com antecedência, fizemos grandes encontros para celebrar as culturas locais.

O meu trabalho nasceu da necessidade de comunicar a forma como nós nos vemos – população nativa da Chapada Diamantina – para os mundos do interior e do exterior.

*Parte desse texto e mais sobre o olhar de Iêda Marques sobre o povo, a geografia e a história da Chapada Diamantina podem ser encontrados no livro “Iêda Marques: lembranceiras, imaginário e realidade”. Para acompanhar o trabalho de Iêda Marques, como a foto que ilustra este post, visite sua página : www.facebook.com/luzgrafias.