Ainda sem entender direito como é que, num contexto inexplicável de correrias e produções, o Luís tinha conseguido ser doce e firme a ponto de conseguir me tirar dos textos, planilhas e pesquisas e me levar para o Tapajós… eu e minha confusão com nomes (amigos sabem como sou avoada – amo esta palavra – principalmente quando estou exausta)… eu tentava pronunciar: Muira… Como é mesmo a pousada onde vamos dormir hoje em Alter do Chão, Lu? Já vi essa palavra antes… Mui-ra-qui-tã, preciso gravar esse nome.

Ontem a Joana Alves, amiga dulcíssima de Ana que já nos ajudou bastante por aqui, me enviou uma mensagem: posso te mandar umas fotos que fiz em viagem por lá para contribuir com o tema Tapajós? Não estão tratadas, ela disse, mas talvez você consiga usar.

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(Foto enviada por Joana Alves)

A exuberância da região é inquestionável e não há mesmo foto que traduza a luz e amplitude que os olhos percebem no Tapajós. Em muitos momentos, o silêncio era a única expressão de admiração que me parecia digna do lugar. Foi assim que, já no primeiro dia, decidimos nos afastar dos turistas falantes e nos aproximar do nosso amigo barqueiro, Valquir, do nosso guia cantor de carimbó, Osmarino, da família Silva Tapajós. Do professor da escola, do menino na canoa, da mulher que trançava artesanato de tucumã, da menina de olhos brilhantes.

As pessoas do Tapajós, esse maior presente que recebi, escutam e observam atentamente. Sabem andar pelas trilhas identificando os pássaros, reconhecem a presença da cobra ou do macaco na noite escura, procuram os sons de curupiras e botos no caminho. Até o sorriso, desses que curam qualquer insegurança, é com os olhos.

Como boa parte das pessoas que se relacionam assim com o som, só aumentam o volume quando chega a oportunidade do conto ou do canto. E, acho importante dizer: vale receber como presente cada palavra dessas pessoas, em sua oratória en(cantada) está a resposta para boa parte de nossas angústias. Comigo foi assim.

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(Foto enviada por Joana Alves)

O cotidiano é uma aula: adaptação, criatividade, simplicidade. O rio é o protagonista das narrativas e os momentos da vida são explicados a partir de seus outros substantivos. Quando a maré estava muito alta / quando a estiagem chega / quando a praia aparece / quando o leito está iluminado.

Alimento, caminho, cenário, abrigo: o rio.

E as comunidades ribeirinhas ensinam novos vocabulários. Abundância é ter peixe, é saber fazer farinha, é saber remar a canoa. Beleza é colher a semente pra fazer o colar, é falar lendas com ritmos, é não assustar o bicho em sua casa.

Rotina é andar, remar, colher, cuidar, fazer renda, fazer render.

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(Foto enviada por Joana Alves)

O tempo é da natureza.

É preciso esperar a água acalmar e o urucum crescer. A decisão do almoço espera a pescaria acontecer. Cada telhado é feito após o desenvolvimento e a colheita de uma grande quantidade de palha.

Basta observar.

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(Foto do Luís Felipe Rubião)

Nas calçadas de Alter do Chão, nas barracas de artesanatos, nos nomes das canoas. Mas, principalmente, nas casas dos moradores da Floresta Nacional do Tapajós.

Fui aprendendo dia após dia a pronunciar: Muiraquitã.

“Segundo uma tradição ainda viva, o muiraquitã teria sido presente que as amazonas davam aos homens em lembrança de sua visita anual (…) o portador seria bem recebido onde a exibisse, com a frase muiraquitã catu“, leio agora no trecho do Dicionário do Folclore Brasileiro, do Câmara Cascudo.

“As amazonas existiram”, respondeu o querido Indios Brasil (uma pessoa muito especial da região que apenas recomendo que você conheça em andanças por lá) quando lhe perguntei a minha insistente “O que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Tapajós?”. E ele me repetiu a lenda das mulheres que povoaram a região que hoje repete seu nome – Amazonas. Mulheres admiradas, temidas, guerreiras. Já tinha lido alguns artigos sobre elas, vejo aqui os livros da Biblioteca Itinerante do O Brasil Com S repetirem o assunto.

Há muito estudo feito – e a ser feito – sobre Amazonas (lenda, mulheres, região). Mas fato é que os muiraquitãs ainda possuem mesmo um grande valor simbólico.

Amuleto de sorte nas bancas dos mercados, comprado para si e para quem você quer que seja sempre protegido.

Amuleto precioso para as famílias do Tapajós que, como Dona Conceição e Seu Pedro, guardam vestígios deles e de outras cerâmicas como os verdadeiros tesouros que são. Material didático e histórico precioso que faz parte das aulas das crianças da região, eles levam suas caixas para a escola e repetem quase o mesmo que o Indios me disse: Vocês estão vendo tudo isso? Os indígenas existiram, exatamente aqui.

Existem e têm muito a nos ensinar.

No último dia de Tapajós, voltei para Alter e sentei-me em um bar na praça principal. Conheci um historiador local na mesa ao lado, ouvia Seu Osmarino cantar carimbó. E, de longe, escutei: “Mayyyyyyra!”. Era a Joana, sorriso que eu só conhecia pelas redes sociais, chegou me abraçando e juntou-se, descomplicada, à mesa enorme e bagunçada que já éramos naquele momento. Mostrou algumas das fotos e eu disse “nossa, mande pra gente, por favor”. Ela não se esqueceu desse pedido e é por isso que esse conteúdo ficou ainda mais bonito. Obrigada, querida, bom te encontrar.

(Por Mayra Fonseca que publica esse conteúdo bem no dia do aniversário da Ana e aproveita pra desejar, em nome de todo O Brasil Com S, um dia bem lindão pra ela, não é? Este tema foi feito em parceria com o Viageria e com o apoio da AMZ Projects).