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Investigando a cidade que representa a cultura caiçara brasileira, perguntamos para Fernanda Craveiro (arquiteta especialista em conservação e restauro de patrimônio cultural): O QUE NÃO SABEMOS SOBRE PARATY?

Fernanda responde:

Apropriar-se é sinônimo de preservação e definição de uma identidade, o que significa dizer, no plano das narrativas nacionais, que uma nação torna-se o que ela é na medida em que se apropria do seu patrimônio.” (GONÇALVES, 1996)

Costumo dizer que cada forasteiro que chega a Paraty passa a se considerar paratiense ao primeiro tropeção. Isto porque o ato de tropicar pelas ruas com calçamento tipo “pé-de-moleque” é quase tão inevitável quanto se apaixonar pela cidade. Foi assim que me senti nos idos de 2003, num começo de abril chuvoso, ao me deparar com o poético refletir do casario nas lâminas d’água que recobriam parte do traçado urbano.

Tomar para si, apropriar-se, sentir-se em casa é inevitável. E inevitável é também citar Lúcio Costa (1929), que traduziu, mesmo sem a intenção de fazê-lo, o impacto da primeira impressão: “Vendo aquelas casas, aquelas igrejas, de surpresa em surpresa, a gente como que se encontra, fica contente, feliz, e se lembra de coisas esquecidas, de coisas que a gente nunca soube, mas que estavam lá dentro de nós.”.

Mas e então, como agir como um “legítimo” paratiense? Pois enquanto explorar o centro histórico, caminhe pela “capistrana”: trata-se do trecho central das ruas, com pedras em formato regular, dispostas linearmente. Uma vez que já esteja transitando com mais desenvoltura, cumprimente as senhorinhas que eventualmente espreitam pelas janelas e escape, se for capaz, das inúmeras lojinhas charmosas que pipocam por todos os lados. Olhe para o alto! Preste atenção nos singelos jardins que se formam por casualidade e devido às marcas do tempo sobre os telhados compostos pelas tradicionais telhas de barro tipo capa-e-canal. Repare, ainda, no contraste entre as paredes brancas e as coloridas molduras de portas e janelas. Ao observador atento, certamente não escapará alguns detalhes da parte superior das construções, onde cártulas e frisos declaram o passado: 1836, 1851…

Quando o estômago reclamar, procure degustar o típico “camarão-casadinho”, iguaria composta por dois generosos camarões colocados juntos – em posição nada ortodoxa: a cabeça de um no rabinho do outro – e recheados de farofa. Em seguida, para voltar a tropicar, não deixe de experimentar as cachaças produzidas na região.

Coroe a jornada com o entardecer no Largo de Santa Rita, de onde é possível admirar os tons vermelhos do cair da tarde em oposição ao degradê escuro dos morros ao fundo. E, se bem afortunado for, poderá, quem sabe, como todo bom paratiense, notar a maré subindo pouco a pouco e se entremeando por entre o “pé-de-moleque”… “Porque Parati é a cidade onde os caminhos do mar e os caminhos da terra se encontram, melhor, se entrosam. As águas não são barradas, mas avançam cidade a dentro levadas pela lua. E o reticulado de ruas, balizado pelas igrejas (…) converge para o mar.”. (COSTA, L. 1960)

GONÇALVES, J. R. S. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; IPHAN, 1996

COSTA, L. Tradição Local (1929) In COSTA, L. Arquitetura. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 4ªed., p. 33.

COSTA, L. Prospecto Arquitetônico In PIZARRO E ARAUJO, J. S. A. et al. Tricentenário de Parati – Notícias Históricas. Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1960. p. 79.

Sobre a autora:

Fernanda Craveiro Cunha é arquiteta especialista em conservação e restauro de patrimônio cultural edificado e mestranda em Tecnologia em Construção de Edifícios pelo Institutode Pesquisas Tecnológicas. Integra a equipe do escritório Maria Luiza Dutra & Associados Arquitetura e Restauro desde 2008. É “paratiense de coração” há dez anos. De lá para cá realizou estudos acadêmicos sobre o delineamento da evolução urbano-arquitetônica do centro histórico de Paraty e também sobre suas políticas de preservação patrimonial.

A foto também foi feita pela Fernanda. 🙂