Continuando a nossa série de contribuições sobre o Acre, falamos com o Gustavo Frota, conhecedor de rituais indígenas no Acre. Para responder à nossa questão, ele nos fez um convite: enviou algumas fotos e pediu que elaborássemos perguntas sobre elas.

Um jeito novo de sentirmos “O que não sabemos sobre o Acre” num papo-entrevista com o Gustavo:

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Mayra: Quem é você?

Gustavo: Não sei.

Mayra:  Qual é a tua história com o Acre?

Gustavo: Visitei o Acre pela primeira vez em 2011. Morei dois meses entre os índios das etnias Yawanawá, Huni Kuin, Poyanawá e Kuntanawá. Sempre gostei muito de culturas indígenas e queria conhecer a Amazônia. Na época, ao tomar conhecimento de um festival cultural indígena Yawanawá, que aconteceria em Outubro daquele ano, decidi que o momento seria aquele. Fiz algumas pesquisas básicas pela internet, encontrei o contato do festival, comprei a passagem e logo cheguei “lá”, no Acre. O festival duraria uma semana, mas minha viagem seria de dois meses. Não conhecia nada, nem ninguém. Chegando em Rio Branco peguei mais um vôo para o município de Cruzeiro do Sul, a cidade mais ao leste do Brasil. Encontrei meu contato indígena e, após alguns detalhes, subíamos o rio Gregório em direção à aldeia dos Yawanás. Após seis horas de “voadeira” (pequeno barco muito utilizado em rios amazônicos), chegamos a um dos locais mais lindos e incríveis que já visitei em minha vida, no meio da selva amazônica. Os índios estavam muito alegres com a minha chegada e de outros participantes do festival. A semana seria de festejos, danças, comidas típicas e rituais sagrados. O primeiro impacto foi forte. A relação desses povos com a vida é muito diferente da nossa cultura “civilizada”. Eles são auto-sustentáveis, vivem em completa harmonia entre eles e com a natureza, são amorosos, hospitaleiros, brincalhões, gostam de tocar, cantar e contar as histórias. Era uma aldeia ainda bem preservada, ao contrário da grandíssima maioria das aldeias das diferentes etnias espalhadas por todo o Brasil. Por conta da distância e da floresta, as aldeias acreanas são algumas das mais preservadas do Brasil, embora sofram muitos problemas, também. Ao longo do festival conheci indígenas de outras etnias e, por conta dessas novas amizades e convites, não saí mais da floresta pelos próximos dois meses. A partir de 2011 passei a freqüentar o estado todos os anos. A cultura acreana é riquíssima em vários aspectos e, entre todas as suas jóias, as culturas indígenas merecem especial destaque. São quatorze etnias, no estado, e é possível visitar algumas aldeias.

Mayra: Por que você escolheu essas imagens para ilustrar um papo com o tema “O que não sabemos sobre o Acre”?

Gustavo: Elas ilustram uma das culturas mais ricas desse país, e praticamente desconhecida. Escolhi pelo fato de serem imagens de um ritual de consagração da bebida sagrada deles, a Ayahuasca. Escolhi pelo fato de serem imagens fortes, misteriosas, o que representa muito bem os Huni Kuins e toda sua riqueza cultural e mitológica. Sempre me pareceu muito uma “ficção” minhas estadas nesses locais… uma fantasia muito verdadeira… real… difícil explicar… e daí o motivo das fotos, ao que elas remetem, como tocam… Sendo mais objetivo em relação à sua pergunta, saber sobre o Acre, com toda sua diversidade, exuberância e “mistérios”, só mesmo numa relação de “sensação”, e é preciso experimentar. As fotos podem ajudar nesse sentido. Veja as fotos e sinta você, o que ainda não sabe sobre o Acre. Obviamente isso é apenas um dos aspectos desse estado, mas considero especialmente significativo a exuberância “cultural/espiritual” dos povos das florestas, da cultura cabocla, dos curandeiros, pajés, a proximidade das culturas indígenas e as cidades, a miscigenação entre todos e a floresta. Existe essa atmosfera no Acre.

Mayra: Onde cada uma dessas fotos aconteceu? Conte-me um pouco sobre cada uma delas.

Gustavo: Essas imagens foram feitas no festival cultural indígena “Xinã Bena – Novo Tempo”, realizado todos os anos na aldeia Lago Lindo, da etnia Huni Kuin, às margens do rio Tarauacá, município de Jordão, Acre.

Mayra: Se você tivesse que explicar para um criança o que aconteceu enquanto essas fotos foram feitas (de um jeito simples para que ela pudesse entender e de uma forma inspiradora para que ela ficasse ainda mais curiosa), o que diria?

Gustavo: Que brincávamos de explorar tesouros.

Mayra: Se alguém estivesse muito curioso sobre essas imagens, o que você diria para essa pessoa ler?

Gustavo: A rigor, nada, pois aquilo tudo é muito único, distante e o que há de realmente significativo ali, leitura nenhuma daria conta. De qualquer forma, muita informação útil e interessante sobre o Acre, suas culturas e rituais indígenas, pode ser encontrada pesquisando o ótimo site da Biblioteca da Floresta: http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/

Mayra: O que não sabemos sobre a cultura indígena do Acre?

Gustavo: De uma forma geral, não só em relação aos povos indígenas que vivem no Acre, mas em todo o Brasil, a nossa cultura “ocidental brasileira” conhece muito pouco sobre a riqueza infindável de costumes, tradições, cosmologias, tecnologias, línguas, mitologias, manifestações artísticas, espiritualidade, de todos esses povos. Existem povos no Acre que nunca entraram em contato com a nossa cultura, são os chamados índios isolados. Aldeias com centenas de índios, completamente alheios à “nossa” existência. Sabemos deles por conta de relatos de mateiros, caçadores e indígenas de etnias contactadas. Existe registro videográfico aéreo de uma dessas aldeias. São culturas únicas, raríssimas, lindas. Poucas pessoas sabem sobre isso.

Mayra: O que um ritual indígena pode ensinar para um brasileiro que vive em um contexto urbano?

Gustavo: Você entra num espaço de encontro com aspectos arcaicos internos comuns a todos nós e mesmo com a vida, com o planeta, com a natureza. Os ritmos, os símbolos, os mitos, as danças, os cantos, as roupas, tudo vem de uma relação direta com a mata, com o rio, com o Sol, com o céu, com as estrelas, com os animais, com a floresta. Os rituais tratam, de uma forma ou de outra, da nossa relação com tudo isso e com a vida, coisa que, num contexto urbano moderno, perdemos ou substituímos (por ritos “de consumo” como se tornou o “Natal”, por exemplo). São infinitos os ganhos desse resgate de perspectiva, sejam pessoais ou planetários. Aprofundamos uma compreensão sistêmica da vida, por exemplo. Compreendemos a nossa realidade a partir de uma perspectiva completamente única e original, e isso pode provocar insights formidáveis para qualquer aspecto das nossas vidas.

Mayra: O que os indígenas do Acre não sabem sobre o Brasil?

Gustavo: Não sei, mas eles são muito curiosos.

Mayra: O que você acha que todos os brasileiros deveriam saber o próprio país?

Gustavo: Que a Amazônia, em seu conjunto, flora, fauna, sistemas, recursos, povos, torna o planeta um lugar – ainda muito mais – lindo. Salvo os clichês, o brasileiro desconhece, num nível preocupante, a Amazônia.

Gustavo Frota preferiu não escrever uma mini biografia, disse que poderíamos apresentá-lo como nos parecesse adequado. Pra gente, Gustavo é uma espécie de passagem para um mundo místico real, um garimpeiro de rituais, um tradutor de espiritualidade. 

(Por Mayra Fonseca. As fotos do post são de autoria de Gustavo Frota e Daniel Gutierrez; sua reprodução não é liberada sem prévia autorização dos mesmos).