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Talvez o S, do Brasil com S que sempre propomos a redescobrir, traga uma pluralidade que você nunca imaginou sobre Goiânia: berço de praticamente 80% das duplas sertanejas de maior sucesso, essa cidade esconde facetas muito interessantes e algumas delas surpreendentes, como por exemplo, a alcunha de Goiânia Rock City.

Capital do estado de Goiás, Goiânia é relativamente nova. Foi planejada para ser uma cidade moderna, e por isso impressiona seus visitantes com suas avenidas largas e seus bairros bem organizados, separados por praças e inúmeros parques. Tudo isso faz com que sempre esteja listada como um dos lugares com melhor qualidade de vida do Brasil.

Gente de todos os lugares veio construir a vida, e abrigar os seus sonhos por aqui. A maior parte dessas pessoas veio mesmo do interior, o que faz com que a cidade carregue valores muito provincianos (e que são preservados com orgulho). Hábitos como o de juntar a família inteira para comer uma galinhada, ou de trazer queijo da fazenda para os vizinhos. O próprio jeito de falar do goiano é um jeito caipira, que mesmo o mais culto dos acadêmicos vai carregar como uma licença poética do dia a dia.

Toda essa simplicidade se confronta com o progresso que chega rápido: o estado é um grande produtor agropecuário, em um momento em que o Brasil bate recordes na exportação de carnes e grãos. Tanto dinheiro faz a cidade se reinventar constantemente. É aqui que desembarca, nos próximos anos, o primeiro Skydrive do pais, em um dos vários arranha-céus que estão sendo erguidos no horizonte goianiense. Essa geringonça permite que o morador suba o seu carro num elevador, para guardá-lo dentro do apartamento. Vai ficar mais fácil descarregar a camionete com o milho da pamonha.

Na verdade, a graça disso tudo é perceber que Goiânia vive um enorme conflito entre as tradições de um estado agrário, e a modernidade que o dinheiro pode comprar. Esse convívio do passado com o novo faz com que a cidade surpreenda seus visitantes através dos seus paradoxos:

Temos a maior exposição agropecuária da America Latina, e ao mesmo tempo, somos casa de uma companhia de dança contemporânea que representa o Brasil no mundo todo. Procure saber mais sobre a Quasar, e seus 25 anos de vanguarda na dança brasileira.

E quem pensa que o hit das rádios é sempre o sertanejo vai se surpreender com a cena alternativa da cidade, que geralmente cresce na contramão desses valores interioranos, mas que em Goiânia, aprendeu a conviver com o nosso orgulho rural. Então o cd player da pickup agora tem espaço para as inúmeras bandas de rock alternativos que surgem por aqui – algumas delas cantando as antíteses do ser goiano. Procure a banda Pedra Letícia no Google, pra ouvir enquanto você termina de ler esse texto 🙂

Pra curtir esse rock misturado com pequi, venha na época do Goiânia Noise Festival, ou do Bananada – os maiores e mais importantes festivais de rock alternativo do pais, que acontece no enorme Centro Cultural Oscar Niemeyer, que, claro, foi projetado pelo próprio. A Força desses eventos é explicada por uma corrente da contra cultura que tomou forma no Martim Cererê – um espaço muito interessante em que antigos reservatórios de água foram transformados em teatros, pra onde se convergiu toda uma galera que queria experimentar novas linguagens. Nasceram, também nesse contexto, importantes selos de música alternativa, como o Monstro Discos, uma produtora que impulsionou muitas bandas da garagem. O pequeno público lado b cresceu, e proporcionou uma reviravolta no comportamento jovem. Tudo isso no liquidificador, saiu um caldo legal: alguns desses artistas hoje pipocam fora daqui, como é o caso dos caras da Banda Uó (acha difícil de acreditar que esses moderninhos são de Goiânia?).

Esse crescente e forte movimento cultural tem difundido uma imagem diferente do estado, e projetado Goiânia em um circuito muito inspirador da musica, do teatro e das artes plásticas. Ainda menos recente, Siron Franco, goiano que usou a temática do acidente com o Césio 137 ocorrido na cidade no início dos anos 80, é um expoente da arte protesto, e abriu caminho da arte goiana para os museus das Américas e Europa. Deixou aqui na cidade alguns memoriais que merecem ser visitados – o meu preferido, uma enorme escultura de uma ampulheta, que no centro, carrega terra de todos os continentes e fica dentro de um bosque.

Talvez você também não saiba que Goiânia tem um zoológico lindo, bem no meio da cidade, e que muitas vezes os moradores vizinhos acordam na madrugada com os rugidos dos leões, ou com o barulho de tantos outros bichos. E que grande parte da cidade é arborizada com ipês, que colorem a paisagem em plena época da seca no cerrado.

Bem, pra terminar: um pouco longe da efervescência de São Paulo e Rio, Goiânia surge como uma cidade modesta, mas linda e surpreendente. Pronta pra ser descoberta, e pra estimular a descoberta dos seus arredores também fascinantes (como a antiga Cidade de Goiás, Pirenópolis com suas fazendas e cachoeiras, ou as belezas do Araguaia). Pouse no aeroporto, descubra que o código aéreo da nossa cidade é GYN (e que essa sigla se transformou no apelido para os mais íntimos), e entenda porque a gente gosta tanto daqui, e dessa terra.

Bruno Azevedo, da Na Rua, sobre sua cidade Goiânia. Imagem do artista Siron Franco.