Mariana Nobre, garimpeira e pesquisadora de vintagismos, nos preparou uma seleção musical de um Brasil Sem Mágoa:

Esta é uma seleção do meu baú sentimental. Uma história em 13 faixas. Todas empoeiradas, vindas da memória musical brasileira das décadas de 60 e 70, da minha predileção por essas décadas e por uma sublimação afetiva.

Acumular objetos antigos numa estante, cartas de amor numa lata de biscoitos, músicas nas faixas do bom e velho vinil, pra se ouvir com chiado, quietinha, e celebrar às lembranças: este é o espírito do “Não guardo mágoa, mas guardo todo o resto”. Nome este que dei para a minha compulsão por colecionismo e afetos.

A paixão pelo garimpo me fez conhecer muita gente e me encantar cada vez mais pelo o que está por traz destes objetos. Seja por sua história, sua importância na sociedade ou pelo esforço de quem os encontrou e recuperou. E, durante estes anos todos (já são mais de quinze garimpando e pesquisando vintagismos), acabei me deparando com uma forma de caçar, guardar e vender coisas antigas muito particular, muito brasileira. Jeitos que passam pelos nossos lastros de cultura mais obscuros. Um sentimento rasgado de quem sofre por ter uma herança roubada.

Roubada porque somos um país jovem, pautado pela crença do futuro, orientado pela lógica do progresso. Jogamos fora, todos os dias, ressentidos, as memórias de dias difíceis: sejam eles de uma infância sofrida ou de anos árduos de inflação. Somos “O País do Futuro”, uma criança no mundo. Em geral, detestamos o nosso passado.

Mas, mesmo assim, há quem guarde cacarecos desse Brasil. Mesmo passando por muitas dificuldades. Os vintagistas brasileiros são de uma grande resistência.

Mesmo com tantas disparidades sociais, o suor pra se manter mesmo em uma economia informal, há quem prefira montar um camelô de brique-a-braques a um de DVDs piratas. Mesmo com tanto sincretismo, há quem deixe seus garimpos em um porão para não contaminar a energia dos outros ambientes, mas os guarda com afinco. Mesmo com tanto ceticismo, há quem benza suas antiguidades antes de vende-las. Mesmo com todo o poderio da obsolescência, há quem acredite que o que vem do passado é mais duradouro. Mesmo com tanta apatia, há quem não resista a uma gaveta, a um álbum de retratos e às lembranças de uma época que não volta mais…

Um grande beijo da moça que queria ter um Karmann Ghia Vermelho, que sonha com a estrela que cai e que coleciona uma porção de retratos em branco e preto.

Mari Nobre

P.S: Agradeço especialmente ao Jean Franco Borges pela edição de vídeo da playlist (http://vimeo.com/54376789) e ao Luiz Fernando Germano pelo retrato (que faz parte do Projeto “A Portrait a Day” http://www.facebook.com/aportraitaday).

1. Apolo – Quarteto Nova Era (1968)
2. A Moça do Karmann Ghia Vermelho – Os Caçulas (1969)
3. Atenção! Atenção! – Antonio Adolfo e a Brazuca (1971)
4. Marcianita – Caetano Veloso (1968)
5. Palavras – Flaviola e o Bando do sol (1974)
6. A Estrela que cai – Os Caçulas (1969)
7. Eu Preciso de Você – Sylvia Telles (1959)
8. Quando – Roberto Carlos (1967)
9. Mamãe Coragem – Nara Leão (1968)
10. Nunca mais – Odair José (1977)
11. Curso Intensivo de Boas Maneiras – Tom Zé (1968)
12. Sucesso – Rita Lee (1970)
13. Retrato em Branco e Preto – Quarteto em Cy/ Compacto Elenco (1968)